Sou a face explícita

23 agosto 2009

Visão

Da ralé a nobreza
No mesmo chão que ambos pisam
Diferem-se os horizontes
Mas todos revelam identidade
Em torno do acaso
Que os mantêm fiés ao seu sexo.
Aspiram liberdade
A doce liberdade que aprisiona
As almas dos que a buscam
Vital mas cruel.
Os pensamentos que levam a caminhar
Sobre os próprios desatinos
Tornam o movimento giratório
O habitar vicioso.
Retornar ao princípio da ação,
Para envelhecer com os traços
Da displicência do que se conduz.
EMenezes

Pensamento e Censura

Recôndido segredo de desatino
Para oferecer sua honra ao acaso.
Entre fixos olhares e caladas palavras
Testemunham o desejo de sucumbir a festa
Dos premeditados arrependimentos.
Em ritmos desatentos
Dançam as horas,
Que se deixam levar além do espaço.
Vem o desejo da criatura
De se perder na ousadia de um nome
Infiltrando a magia ao prazer.
Na proposta do destino em que habitamos
Pensamentos e censuras,
Amor e medo,
Vem a voraz vontade de nos abandonar
E permitir
A dor, a delícia e a lucidez
Do amor.
EMenezes

Alucinação

Desencontrei o sentido vinculado da coragem.
Ministrei o fluxo da piedade, numa imagem.
Ressucitei das trevas a luz da igualdade
Acreditei que a verdade se revelaria,
Através da razão,
Que mesmo sem firmamento
Ressaltaria.
Alucinado o tempo que engrenado
As asas da dor
Se presta ao homem
Como um quase prazer.
EMenezes

De uma Janela

Olhos acima dos muros das casas
Não veem os sonhos
Amontoados nas ruas
Perdidos nos caminhos
Dos passantes viventes.
Os mesmos olhos condenam a superfície
Que não desce onde
Habitam sombras e dúvidas.
Os olhos acima dos muros
Fecham a boca por trás da garganta,
Ressecando a saliva da solução,
Do grito de libertação.
Ecoam versos em linguagem
Onde não há censura,
E apenas retomam sua posição
Nos olhos
De uma janela.
EMenezes

Hóstias e mísseis

Hóstias e mísseis
Disputam seu espaço
No corpo estético da terra,
Compelidos à atuares juntos.
Seguem sem percurso em igual vantagem
Na proposta do destino
Conscientes, célebres e poderosos.
Seu objetivo avança não no futuro
Mas em um retorno desigual,
Então,
A máquina come o homem
O homem deseja a máquina,
Nessa lida
O estômago digere o poder
Ao alcance da boca.
Homem e máquina
No tempo, na forma
Do homem vulnerável
E da máquina que não quebra,
Porém enferruja.
EMenezes

O Amor

Pois que a beber me deste em taça transbordante,
E a fronte no teu colo eu tenho reclinado,
E respirei da tu’alma o hálito inebriante,
- Misterioso perfume à sombra derramado;

Visto que te escutei tanto segredo, tanto!
Que vem do coração, dos íntimos refolhos,
E tive o teu sorriso e enxuguei o teu pranto,
- A boca em minha boca e os olhos nos meus olhos;

Pois que um raio senti do teu astro, querida,
Dissipar-me da fronte as densas brumas frias,
Desde que vi cair na onda da minha vida
A pétala de rosa arrancada aos teus dias…

Posso agora dizer ao tempo, em seus rigores:
- Não envelheço, não! podeis correr, sem calma,
Levando na torrente as vossas murchas flores
Ninguém há de colher a flor que eu tenho n’alma!

Podeis com a asa bater, tentando, sem efeito,
A taça derramar em que me dessedento:
Do que cinzas em vós há mais fogo em meu peito;
E, em mim, há mais amor que em vós esquecimento!

Victor Hugo

O Homem e a Mulher

O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.

Deus fez para o homem um trono.
Para a mulher, um altar.
O trono exalta.
O altar santifica.

O homem é o cérebro; a mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz; o coração produz Amor.
A luz fecunda.
O Amor ressuscita.

O homem é forte pela razão.
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence.
As lágrimas comovem.

O homem é capaz de todos os heroísmos.
A mulher, de todos os martírios.
O heroísmo enobrece.
O martírio sublima.

O homem tem a supremacia.
A mulher, a preferência.
A supremacia significa a força.
A preferência representa o direito.

O homem é um gênio; a mulher, um anjo.
O gênio é imensurável; o anjo, indefinível.
Contempla-se o infinito.
Admira-se o inefável.

A aspiração do homem é a suprema glória.
A aspiração da mulher é a virtude extrema.
A glória faz tudo grande.
A virtude faz tudo divino.

O homem é um código.
A mulher, um evangelho.
O código corrige.
O evangelho aperfeiçoa.

O homem pensa.
A mulher sonha.
Pensar é ter no crânio uma larva.
Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano.
A mulher um lago.
O oceano tem a pérola que adorna.
O lago, a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa.
A mulher é o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço.
Cantar é conquistar a alma.

O homem é um templo.
A mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos.
Ante o sacrário nos ajoelhamos.

Enfim, o homem está colocado onde termina a terra.
E a mulher onde começa o céu.

Victor Hugo

Quem exclusivamente conhece a essência da Mulher senão o Poeta?

O sono das águas

Há uma hora certa, no meio da noite, uma hora morta ,em que a água dorme.
Todas as águas dormem: no rio, na lagoa, no açude, no brejão, nos olhos d’água, nos grotões fundos
E quem ficar acordado ,na barranca, a noite inteira, há de ouvir a cachoeira parar a queda e o choro, que a água foi dormir…
Águas claras, barrentas, sonolentas, todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas, fios brancos, torrentes.
O orvalho sonhanas placas da folhagem e adormece.
Até a água fervida, nos copos de cabeceira dos agonizantes…
Mas nem todas dormem, nessa horade torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando, e chorando, a noite toda, porque a água dos olhos nunca tem sono…
Guimarães Rosa

Precisão

O que me tranqüiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.
Clarice Lispector
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